Tenho uma mania que me vem da infância: gosto de cartas do correio. Não daquelas de obrigação, que se manda a intervalos regulares para as pessoas certas, que nos esperam nos lugares certos ou nos recetáculos certos, não! São as que nos fazem subir todos os dias a rua a esperar o carteiro e alimentam aquela incerta esperança se hoje há alguma coisa para mim. O carteiro é o incontornável da esperança e da conformação. A gente sempre se conforma porque amanhã há outros dias, tem sido sempre assim. E o carteiro tem a sabedoria que recebe e distribui da mesma forma como recebe e distribui cartas. É a sabedoria da atenção aos sentimentos. Mas o carteiro já há muito tempo que não vem: foi tragado pela tecnologia do correio eletrónico.

Hoje a espera - a que felizmente ainda há - deve-se às fragilidades da tecnologia: tempo de processamento e quantidade de memória. Mas a espera é retórica. Cartas eletrónicas lá chegar chegaram. São aqueles títulos a negrito, sinal de que não foram lidas, provavelmente cartas das "novidades" comerciais, a anunciar fabulosas oportunidades. Morreu a espera porque exagerou a superabundância. Estar ligado já não é virtude, é vício.

Tenho saudade de extrair a vapor de água os selos das minhas cartas na noite da cozinha ao fundo do imenso corredor que dava do meu quarto em cujas janelas olhava as estrelas longínquas e por onde fui formando, caminhando sempre mais um passinho curto na noite profunda, uma ideia do infinito.
 
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