A ÁRVORE (3)


No post anterior abordei duas questões: Para que é que as árvores precisam de um tronco? Em que consiste um tronco? Em síntese, pode dizer-se que o tronco, através do seu alongamento, vai colocar as folhas numa posição que lhes permite uma exposição ao sol em excelentes condições, continuando a garantir a condução a grandes distâncias dos nutrientes que elabora através da fotossíntese e da água e minerais que capta do solo para os produzir. Os troncos possuem ainda a solidez necessária para aguentar o grande porte das árvores e, ao mesmo tempo, a flexibilidade para aguentar o impacto dos ventos e da neve. Mas ficou adiada a resposta à seguinte pergunta:

O que é que faz crescer e manter-se um tronco?

A resposta que imediatamente me vem à cabeça é extraordinariamente simples: a madeira. 

A madeira, ou o lenho na linguagem dos botânicos e arboricultores, é uma mistura química de celulose, lignina, taninos, resinas e muitas outras substâncias. Esta mistura dá-lhes as características que a tornam útil na indústria do papel, na construção de casas e de barcos, no mobiliário e na estatuária.

O componente básico do lenho, que o torna funcional e forte, é o tecido condutor, a canalização básica da planta, constituído pelo xilema e pelo floema, que provêm da actividade do meristema primário. De passagem, em breve nota, refira-se que os meristemas são tecidos que contêm células indiferenciadas, que se assemelham às células estaminais dos embriões dos animais devido à sua capacidade de diferenciação, autorrenovação e divisão.

Vejamos, entretanto, como é que se faz o crescimento nas árvores. As árvores crescem de duas maneiras: na vertical e na horizontal. É um pouco como nos seres humanos que, enquanto jovens, crescemos para cima; a partir da maioridade cessamos de crescer para cima e começamos a crescer para os lados, sobretudo na zona abdominal.

Comecemos pelo primeiro. Qualquer planta, mesmo uma herbácea, tem um crescimento em alongamento a partir das suas extremidades apical e radicular: é o chamado crescimento primário. Dado que a maioria das plantas tem um porte erecto - herbáceas anuais como o girassol ou a cana, e lenhosas perenes como o pinheiro ou o sobreiro -  o crescimento primário dá-se, geralmente, na vertical: para cima, geralmente na direcção da luz, através do alongamento do caule; para baixo, perfurando o solo à procura de água, através do alongamento das raízes. O crescimento primário é feito à custa dos tecidos primários e cessa com a maturação destes. O xilema primário dispõe os elementos condutores em feixes vasculares ou feixes lenhosos que se espalham por toda a planta, uma massa de tubos que que assegura o transporte da água com os minerais dissolvidos (seiva bruta) desde as raízes até às folhas, como as canalizações das nossas casas.  O floema consiste em cadeias de células que carregam os produtos da fotossíntese (seiva elaborada) partindo das folhas em todas as direcções para o resto da planta -  ramos, caule, raízes.

As plantas lenhosas apresentam, em acréscimo, um crescimento secundário. Nas áreas mais antigas do caule e das raízes, que já não sofrem mais alongamento, dá-se um espessamento, um aumento em circunferência. Tecidos secundários adicionais são acrescentados às partes mais velhas da planta pela reactivação dos meristemas laterais ou cambia: o cambium vascular e o cambium da casca ou felogene.

O crescimento secundário nos caules é assinalado pelo aparecimento de cambium vascular entre os feixes primários de floema e xilema. As partes mais velhas do lenho perdem a função de transporte e de reserva, o xilema fica completamente morto no núcleo da árvore e o floema esmagado do lado de fora. A madeira é, precisamente, o xilema secundário.

 

Gleditsia triacanthos 01 2016 i0621 width= Olea europaea 02 2016 0954

Pimenteira-bastarda
(Schinus molle)

Espinheiro-da-Virginia
(Gleditsia triacanthos)

Oliveira
(Olea europaea)

 

Se cortarmos um tronco, observaremos que o miolo, a parte mais interna do lenho, formada por xilema completamente morto, comumente embebido em taninos e resinas, também é mais escura. É o cerne (em inglês "heartwood"), duramen ou lenho inactivo (madeira morta). Externamente, observa-se outra parte mais clara, o novo xilema que assegura a condução da seiva bruta. É o alburno (em inglês "sapwood" - porque de facto é cheio de seiva) ou lenho activo (madeira viva).

Nas madeiras de árvores de climas temperados e mediterrânicos, o cambium têm uma atividade sazonal: no início da estação de crescimento produz o lenho inicial ou lenho de Primavera, e no final da estação o lenho final ou lenho de Outono, mais escuro do que o de Primavera. O somatório das duas camadas de lenho constitui um anel lenhoso ou anel de crescimento, revestido por células vivas, protegido no exterior pela casca seca (ritidoma). É através dos anéis de crescimento concêntricos que é possível medir a idade das árvores, como se pode ver nas ilustrações abaixo colhidas em visitas que fiz a museus de jardins botânicos.

2016 05 19 1289 2016 05 19 1290 2016 05 23 1558
 Museu do Krakow Ogród Botaniczny.  Museu do Jardin des Plantes
Cracóvia, Polónia, 19 de Maio de 2016 Paris, 23 de Maio de 2016

 

O cerne, a parte mais dura e imputrescível do tronco, forma o esqueleto da árvore e permite, assim, que ela se torne grande. O floema esmagado, do lado de fora, é incorporado à casca, fornecendo protecção ao tronco.

O cambium da casca irá, por seu lado, produzir a periderme que inclui o suber (felema), um tecido de células mortas na maturação, espessadas com suberina, uma substância hidrofóbica, por vezes complementada com lenhina. Muitas árvores, como o sobreiro (Quercus suber), têm ainda uma camada de câmbio secundário, fora da camada principal do câmbio, com o fito específico de produzir cortiça. As células de cortiça morrem à nescença, pequenas, com paredes celulares grossas e impermeáveis, o que torna a cortiça leve, à prova de água e de fogo e ajuda a repelir pragas. As árvores que têm maior probabilidade de serem expostas ao fogo, como os sobreiros, tendem a ter uma cortiça mais espessa.

Vou ceder à tentação de contar, a propósito, um incidente por que passei vai para uns 20 anos. Quando comecei esta vida de campesino, sabia disto pouco mais que nada. Um dado fim-de-semana, quando andava cá e lá entre o Tremontelo e Lisboa, deitei fogo ao terreno, sem querer e por pura azelhice. Estava calor e as ervas estavam palha. Rapidamente, as labaredas lamberam o terreno, inculto, de uma ponta a outra e extinguiram-se quando esgotaram o material combustível. Felizmente, não passaram, por sorte ou necessidade, para além do que hoje é o Eixo Norte-Sul, alastrando para a mata. A única árvore a que se apegaram foi a um jovem sobreiro meio raquítico que ali estava meio abandonado, cabisbaixo e amedrontado. Solitário, teimava em não crescer. O pobre ficou de tal maneira que cheirava a cortiça queimada a grande distância. O sobro parecia alcatrão. Ficou depenado, sem uma folha, e com as pontas dos galhos todas devoradas pela ganância das chamas. Rezei vários requiems por aquela alma penada e evitei, durante uns tempos, pôr-lhe os olhos em cima. Se tive por ele alguma comiseração, tive-a mais por mim, pela minha estupidez e pela facilidade com que, por vezes, lhe cedo.

Passaram-se tempos e o incidente caíu no olvídio.  O desgraçado ali ficou mas deixei de reparar nele. Certo dia calhou olhar para o sobreiro com olhos de ver. Tinha-me posto a descansar à sua sombra, pois era um oásis de fresquidão no meio da canícula. Mas não era suposto haver sombra, ocorreu-me num daqueles pensamentes fulminantes e cortantes que se intrometem nos nossos devaneios. Olhei mesmo com olhos de ver. Estava um rapazão na força do vigor: tronco bem erecto e bem espessado de músculo, uma copa larga em umbela cheia de folhas verde-brilhante. Pasmei. Não só escapara à morte pela fogueira como se tornara um dos mais belos exemplares do meu sobrado.

 

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