Brumas do Tremontelo (2013-11-26)

Veio o tempo seco e com ele o apetite para amanhar a terra. O problema tem sido as temperaturas negativas durante a noite (cheguei a acordar por volta das sete com a temperatura no exterior a -5ºC e a paisagem coberta de geada).

Não que me arrefeçam, que, para remédio, há os edredãos e as mantas, mas porque me obrigam a madraçar durante a manhã, em diversas e aprofundadas leituras. Nestas alturas, o meio dia não é o fim da manhã mas o seu prolongar na rua. O almoço só pode vir muito depois, se o pequeno foi tardio e reforçado, e há que aproveitar o calor abrasador do sol enquanto não esmorece. Após o almoço, quase por volta do pôr do sol, fechar as janelas exteriores para não deixar escapar as ondas eletromagnéticas para as estradas alcatroadas da noite, e preparar a salamandra. O dia lá fora acabou e agora vai recomeçar cá dentro, com trabalhos domésticos, pequenas reparações e muita leitura.

Dou-me conta que, os livros que adquiri nestes últimos anos, não vou ter tempo para ler deles senão uma pequena parte. Tive quinze anos para os adquirir e não vou ter quinze anos para os ler. Agora, estou muito seletivo. Na literatura, para os autores que, em diferentes fluxos e refluxos de consciência, diferentes temperos de sentimentos e emoções, diferentes simbolizações arrancadas das memórias autobiográficas e da história coletiva, abordam a identidade e a alteridade do eu e as projetam na sua cidade: Pessoa (e as suas pessoas), Joyce, Kafka, Pamuk, Proust. Nos domínios da história, da espiritualidade, da filosofia, da física, da biologia evolutiva e da ciência cognitiva, os meus interesses centram-se em várias infeções virais da consciência: a Pessoa, o Mundo, Deus, a Sociedade, a Cidade, a Economia, o Ambiente, a Crise, a Decadência. A lista não é exaustiva e vai-se recompondo há medida em que revejo e retoco as notas para o meu livro sobre a consciência e a emergência dos valores de ordem superior, o livre arbítrio e o suicídio. Novas conclusões absolutamente espantosas das releituras de Damásio, Chalmers e Metzinger, de Espinosa, Nietzsche, Heiddeger, Arendt e Onfray, de Darwin e Dawkins, e de muitos outros. A leitura simultânea permite alinhar ideias que antes desfilavam em fileiras separadas. Surgem ideias, novas não, mas recentes, como as antigas galáxias que só agora se dão a ver porque a luz que irradiaram passou ziliões de anos a atravessar o universo para vir até nós. A minha pesquisa prossegue com a leitura dos textos sagrados (se reconhecidos como tais), ou de meros documentos históricos, que evidenciam os mecanismos (neuro)cognitivos da criação de deus e o seu papel estruturante das civilizações históricas fundadas na agricultura e urbanização, e a forma como se apoderaram dos nossos cérebros e os infetaram.

 A noite chega sempre sorrateira e demasiado cedo para o cérebro exaltado. Que se abandona num qualquer sofá para só acordar nas vésperas da madrugada a tiritar de frio e a pedir a cama.

Agora, a chuva regressou, uma humidade rala e ensombrada. Os ritmos são outros, mais adentrados na casa, a apetecer escrever.

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