O humor não se pode definir de uma maneira séria, por exemplo através de uma fórmula tipo "o humor é...". O humor é aquilo que não se deixa ser de maneira nenhuma. Eu sou humorista. Eu não sou humorista.
Como já se viu, também não sou cartoonista. Por isso, irei teimar em ser cartoonista.
Só que, enquanto não tiver segurança no traço, continuarei a verter o rabisco em rascunho.
O meu primeiro boneco não foi só um acto de humor: foi, acima de tudo, um poema de amor.
Charlie Hebdo não foi, de longe, o maior humorista da história. Este, o grande humorista, viveu há dois mil anos. E quando estava a ser punido, exactamente pelo seu contagiante humor, voltou-se cheio de compaixão para outro desgraçado, que também ali estava a ser punido, um terrorista palestiniano bom, e disse-lhe: hoje estarás comigo no reino dos céus, as huris estarão à tua espera. Também tinha dito que era mais fácil um sionista passar pelo cu de uma agulha do que entrar no reino dos céus. Não são exactamente as suas palavras, mas, para cumprir a tradição, é tudo o que se pode arranjar passados uns séculos desde a morte do biografado.
... um poema de amor. Para amar alguém é preciso fazer-lhe justiça:
- Os desgraçados nunca chegarão ao céu, ficarão para sempre no purgatório da história a ser espicaçados pelos lápis dos humoristas.
- 2. Jamais irão saber o que são as virgens, esses misteriosos seres cobertos de burqas talares. E é melhor que não o saibam.
Mas, o humor do boneco não está ainda aí. O que está aí é apenas o engraçado. E também o ridículo.
O humor do boneco está em começar com o fim da história. Há um atentado, pum! pum! Morrem uma data de gajos. A polícia corre atrás deles, pum! pum! morrem os terroristas. Epílogo: os terroristas correm para o céu para os braços das huris. Vêm os humoristas com os seu lápis, pum! pum! os desgraçados esbracejam como Sísifo para chegar às virgens e no outro dia recomeça a sua história no além.
Como se vê, é uma história mal contada, muito mal contada. Vamos ter de começar tudo de novo e remontar o filme dos acontecimentos.
Acontece na vida de um humorista ter que usar da borracha. Primeiro, um risco; depois, outro; a seguir, apaga e recomeça. De início, o humorista inspira-se nas fantasias colectivas; pouco a pouco, vai-se aproximando da realidade. A certa altura, o engraçado esmorece e dá lugar ao riso.
U m r i s o d e a r r e p i a r.
Rui Hebdo
PS*: Agora também vai sem boneco. Paciência!...
NB*: Estes textos seguirão, sempre que possível, o desacordo ortográfico. Baril!
* PS quer dizer post scriptum e NB quer dizer nota bene que é tudo em latim e não tem conotações zoológicas ou botânicas.